Ombro Esquerdo.
Postado por Rhaiza Oliveira , quinta-feira, 13 de setembro de 2012 20:00
Aos dezoito anos, tinha envelhecido. Desde que se
entendia por gente o consideravam carrancudo, tímido, com olhar de fome. Isso o
fazia parecer mais velho, mas acabado e meio acabrunhado. Não tinha nem trinta
anos, mas já teria histórias para ilustrar de guias de viagens a livros
vagabundos com posições do kama sutra.
Tinha como extrato uma mistura estranha e sôfrega de
cervejas, marlboro light e whisky. Camisas puídas, talvez de aguentarem puxões
de brigas em bares ou nos quartos de motel por aí, não tinha certeza.
Geralmente não se preocupava em tentar explicar a origem dos seus arranhões,
nem dos seus problemas, nem das suas escolhas. Andarilho por natureza, barba,
bigode e carranca.
Andava de volta pra casa depois de comprar cigarros e
camisinhas. Maldito cigarro de menta. Era o pior pra ele. O efeito de um dos
cigarros costumeiros só era alcançado com uns três ou quatro desses de
bichinha. Sem contar que não era lá muito ofensivo à garganta. Não sentia
aquela dorzinha meio filha da puta da fumaça digerida.
Reclamou do cigarro pela última vez e esvaziou a cabeça.
Andou poucos passos e ouviu a voz. Não tinha ideia de onde aquele timbre tinha
surgido. Tinha Ficado bêbado e não percebeu? Entonteceu um pouco, examinou a
rua. Alguns gatos pingados andavam sem prestar atenção, mulheres de saltos
imensos e saias de um palmo. De onde aquilo vinha? Ela cantava algo meio
indistinguível, meio cômodo. Sentia-se perturbado e curioso e só queria
identificar de onde vinha. Percorreu algumas ruas enquanto a sonoridade aumentava.
Um bar de cortinas vermelho carmim, bem surradas, sem placa, sem visão. Assim
que agarrou a maçaneta do portão enorme, a música para. Teria de ver quem era
agora ou poderia cair em desgraça ali mesmo. Era uma curiosidade estranha,
curiosidade de viajante, escritor, virgem, menino.
Cantava. Mesmo que não houvesse mais de três pessoas
naquele bar. Sentia-se cansada, tentando prender-se no salto fino, nas meias e
no vestido justo vermelho. Não era a coisa mais atraente que tinha vestido
desde que tinha conseguido conseguir cantar ali. Mas algo a dizia que hoje
deveria ser mais alta em tudo. Voz, sangue, pressão, garganta. Parecia que
clamava por alguém, mesmo que a própria não conseguisse dizer quem. Nenhuma
daquelas pessoas estava sequer prestando atenção, mas queria salvar-se. De
qualquer maneira. Cantava...
Era a preferida. Nina. Não sabia disfarçar muito bem
quando cantava uma música que realmente gostava. Abriu o sorriso e os dois
botões ao lado do vestido, perto das pernas. Precisava ficar confortável para
essa. Até que percebeu alguém aparecer por entre as cortinas do fétido lugar.
Se rosto não era muito perceptível pela luz. Só via a silhueta tomar forma na
cadeira e pedir alguma bebida enquanto ela começava a entoar a música. ‘Baby, do you understand me now? If sometimes you see
I'm mad…’ Queria vê-lo. Não sabia exatamente o porquê daquilo.
Sentia aqueles olhos, provavelmente castanhos, como de homem de verdade,
fitá-la. Não tinha nada demais. Os cabelos estavam presos num coque mostrando
um pouco o pescoço, com alguns cabelos soltos no elástico, batom vermelho,
vestido da mesma cor, meias arrastão. Mas não era tão bonita como aquilo tudo,
pelo menos não se sentia. Mas... Era diferente. Via mais claramente agora, os
olhos, castanhos mesmo, como os seus. Parecia estar sendo fodida ali, no palco,
pelos olhos, pela simples presença dele ali. Sentia uma vontade imensa de se
tocar pra todo mundo, tirar o vestido, tirar a máscara de elegante e sentar-se
no colo dele pra saber se era grande. Horror de se ver assim. Horror de estar
tão nua na frente dele.
Ela tinha olhos castanhos. E cantava num inglês perfeito.
Parecia que provocava sem saber. Mexia as ancas, fazia pequenos movimentos com
a cabeça e o cabelo balançava. Mal havia começado a cantar, mas ele se sentia
fisgado. Sentia-se ereto. Estava. Não saberia descrever a vontade que tinha de
arrancar seu vestido e suas meias, ali no palco mesmo. A tempestade que chega é da cor dos teus
olhos castanhos...
Iria até lá. Não pensava mais. Não esquecia a letra, mas
esqueceu de si mesma. ‘Don’t
you know that no one alive can always be an angel? When everything goes wrong
you see some bad…’ Caminhava aos olhos dele. Desprendia-se. O
corpo inteiro em frenesi. Mexia as ancas, arrancava aquele olhar para seu corpo
inteiro. Deus, como ele a transformara. Estava em transe com a troca de olhares
enquanto os corpos se aproximavam. Ele era indescritível, com uma brutalidade
natural. Estavam a menos de cinco passos um do outro e a luz estava agora
insuportável. Alguém lá de cima estava gostando do que via. E ela tinha
certeza.
‘You know sometimes,
baby, I'm so carefree, with a joy that's hard to hide…’ A
alça do vestido agora se debruçava sobre seu ombro esquerdo. Ele tremia e
latejava em várias partes diferentes do corpo. Havia uma força completamente
estranha que o mantinha naquela cadeira. A voz, o cheiro, o corpo, as meias...
Num gesto completamente abusivo, ele estende o copo de whisky puro para ela e
ela recebe. Cantarola mais alguma parte da música e se emudece enquanto toma um
gole daquilo. Frágil, fingia não ter sentido a garganta esfolar-se um pouco e
voltou ao seu espetáculo, em voz e corpo. ‘Then sometimes, it seems again that all I have is
worry, and then you burn to see my other side…’
Tocava o rosto dele com o dedo indicador sem entender
direito o porquê. Parecia que se o tocasse completamente derreteria, tinha
medo. Ele não parava de encarar, parecendo um pouco sonolento, bêbado ou apenas
estafado. O tinha sugado a vida sem sugá-lo? Não tinha ideia do que exatamente
fazia, apenas esperava que ele entendesse. ‘But I'm just a soul whose intentions are good. Oh
Lord, please don't let me be misunderstood…’
Ele iria explodir se não fizesse alguma coisa, rápido.
Enquanto ela se virava para voltar ao seu lugar, ele segurou-lhe pelo vestido,
num gesto estranhamente forte. Sentou-a em seu colo, cuidadosamente para não
assustar aquela que parecia a mistura perfeita de fêmea e garota. Ela dançava
devagar em seu colo, ainda cantando, por mais difícil que fosse. Ela sentia o
membro latejar por entre suas coxas. Molhada e com a garganta seca. Não via mais
ninguém, apesar do raio de luz de holofote que estava acima dos dois. Implorava
silenciosamente com os olhos para que ele a tocasse sem pudor nenhum. Enquanto
as mãos dele percorriam o interior das coxas revestidas pelas redes das meias,
sentia as penas tremerem e o pé se contorcer por dentro do sapato. ‘Oh baby, I'm just human. Don't you know I have faults
like anyone?’
Rasgou-lhe as meias. Queria sentir a umidade e o calor. Usou
as unhas e os dedos com tanta força que teve de segurá-la com mais força no
colo. Ela ainda cantava, com a voz extremamente rouca e bêbada de querer mais.
Sentia as unhas longas e os dedos fortes o segurarem por cima das calças. Com
uma mão só, ela o tocava inteiramente, com movimentos circulares
milimetricamente sincronizados com o movimento dos quadris. Precisava senti-la
por dentro, enfiava os dedos enquanto ela gemia, enquanto ela cantava.
Agarrou-a delicadamente pelo coque e aninhou sua cabeça em seu ombro,
sincronizando as duas vozes aos dois movimentos, as duas mãos: ‘I try so hard,so
don't let me be misunderstood...’
As luzes apagaram em um instante. Ele ouvia risadas
vindas de lugares indefinidos. O peso em seu colo se desfez e ele apenas
sentia-se leve, no bom e no mau sentido. Viu o corpo miúdo e de meias rasgadas
correr até o fundo do palco,talvez com vergonha ou talvez com orgulho. Eles
foram o final inesperado daquela noite insone de três bêbados e um garçom.
Sentia-se estranhamente vestido, tão contrário da última vez, parecia tão natural
estar despido ali...
Esperava por ela fumando um cigarro atrás do outro. O sol
quase nascia, quase duas horas de espera ansiosa e de incontáveis cigarros de
menta. Ouviu um barulho de passos e alertou-se. Ela preparava-se para ir embora
acendendo um marlboro light e tentando ajustar os sapatos baixos nos pés
cansados. Arqueou a cabeça e o viu. Envermelhou-se, alargou os passos e andou
na direção dele. Tão carrancudo. Num gesto estranho, tornou-se de novo cantora
de bar, arrancou aquele maldito cigarro de bicha de sua boca, lhe beijou os
lábios rapidamente e sem língua. Em seguida acendeu o cigarro que havia
substituído rapidamente entre seus lábios, ágil como felina.
Não perguntariam os nomes um do outro até se sentirem
confortáveis. Caminhavam com passos lentos na mesma direção. Olhares trocados
rapidamente, pernas tremidas, ereção ainda ali, umidade ainda ali. Deus sabe
que canções seriam as de logo mais.
Pro Renan. :)
eu detesto textos longos e cheios de ponto final. abomino, pra falar a verdade. Mas não consegui parar de ler esse teu. Muito lindo, sério mesmo. Só falta a parte II com uma cena deles em um quarto de motel barato.