Cicatriz

Postado por Rhaiza Oliveira , quarta-feira, 5 de setembro de 2012 20:22


As meias três quartos rasgadas eram usadas pela milésima vez ao dia. Ele era realmente um monstro. Corria quase toda semana apressada em alguma loja pra comprar um novo par. Não aguentava tanto dinheiro gasto pra satisfazê-lo.
Incrível como ele ainda tinha cheiro de rosas vermelhas e patchouli. Era dele, sem nenhum perfume. Era a marca que ela mais gostava. Apesar da enorme cicatriz no peito da segunda ponte de safena, ainda era a marca do cheiro que a impressionava. Rasgava-lhe as meias, as blusas, puxava-lhe o cabelo e lhe chamava de cadela. Tinha dono. Nos incontáveis hotéis da cidade, era ela a companhia. Marcada à ferro e fogo pelo membro e pelos tapas daquele senhor.

Enquanto se vestia de meias listradas em preto em branco e fazia a maquiagem no espelho, cantarolava ‘Somewhere Over the Rainbow’, já ensaiando a lolita que encarnaria naquela noite. Dorothy iria encontrar o mágico de Oz pra ser espancada de novo. Por mais brega que fosse,  já sentia a umidade lhe fazer ruborizar.

A calcinha de laços não lhe servia mais. O dinheiro do velho ia todo pra porcaria e pra cigarro. ‘Se eu engordar, volto pra casa mais roxa ainda’, temia. Os gatos escaldados tem medo de água fria, e o jato viria quente, e pela cara toda, era melhor se preparar.
As coxas estavam arranhadas, esmurradas, vermelhas da noite anterior. Desejava-lhe a morte, que o excitasse tanto ao limite de um ataque cardíaco. Mas ele era resistente e de uma virilidade fora do comum. 60 anos tá fazendo semana que vem e ainda a conseguia deixar morta, esfolada e esgotada, dolorida por dias e com cheiro de porra.
O dinheiro é bom. E o cheiro... Porra, o cheiro. Poderia arrancar cada pêlo daquele peito e não conseguiria extrair o perfume.  Difícil mesmo é ainda estar radiante, arrumada e sem poder gemer de dor. 

Via aquelas marcas no espelho e se sentia doente, inebriada e nostálgica. Lembrou-se da vez que rolou da escada aos cinco anos. Joelho ralado, pé torcido e rosto banhado em sangue. O desastre se tornou forma de vida. Chegava em casa, pegava o vibrador e tentava esquecer das marcas. Vela, chicote, vendas, mão livre, marcas de cigarro queimado sobre a pele, socos e empurrões. Satisfazia-se com as lembranças enquanto o troço vibrava, mas na hora era o inferno na terra.
Não sabia mais quanto ganhava por dia, nem se gostava, se detestava, se gozava. Queria que em algum dia, ele a acarinhasse. Mas ele não consegue, abaixa sua calcinha, a cheira, morde, enfia, bate... Ele não conseguia. Ainda morreria num encontro desses. Mas ah, o perfume... Quem será que o marcou tanto assim?



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