Ela pinta os
lábios pra escrever. Acende o incontável
cigarro do dia enquanto escarra pro papel. Os olhos inchados pela alergia da
troca de clima.
Ainda
pareceria sexy pra qualquer um que olhasse. Tinha um jeito de tragar que a
comparava a Bardot. Mas sem a elegância, ela era uma mistura de um moleque de
10 anos com uma velha depravada e feminista, como Simone.
‘Sartre
sempre foi um sofredor. Simone tinha seus passatempos e ele agüentava por
amor’, ela falava nas rodas de bar que deveria existir um Sartre para cada
mulher, que experimentaria outros Sartres de mulheres que não ligariam de
dividir.
Sentia-se
dividida. O filho dormia no berço enquanto ela via ‘Quanto mais quente melhor’
e sonhava com Marylin e seu batom vermelho com pintinha no canto da boca.
Conseguia arrancar picos de felicidade com o sorriso do filho, os filmes das
divas que sonhava em ser e as doses de uísque nos bares.
Uísques
esses seguidos da mesma pergunta: ‘O que uma mulher tão doce e com olhos tão
tristes faz num bar sujo desse com bebida de homem?’. Ela tinha vontade de
mandá – los à merda, à puta que os tinham parido. Mas alegrava os olhos como
podia, sorria o sorriso amarelo de inúmeros goles e tragos e pedia um Martini
por conta do jovem galanteador.
Trepava como
ninguém. Nisso parecia com Marylin. O filho tinha feito o corpo mudar, mas a
boca e a boceta ainda arrancavam rios de sêmen e gemidos. Quase nunca gozava,
mas quando acontecia explodia em um riso estranho e meio moleque. Gostava da
cara do escolhido quando isso acontecia num misto de ego inflado e
estranhamento. Quando não gozava, gostava de ver como os humilhava, naquele
esforço de ouvir a risada que já tinham ouvido a respeito. Era um Bukowski de saias, no eterno papel de
dominador e dominada.
Bukowski
entenderia mesmo. Tomaria umas boas doses com ela e depois recitaria ‘Bluebird’
e ririam juntos, pois os dois saberiam exatamente do que se tratava: Há um
pássaro dentro de mim, que quer sair, mas eu o agonizo com cigarro e bebida...
Sentia falta
da época de colégio, do estômago liso, sem estrias, olhos felizes. ‘Mas talvez
seja esse o meu charme, estar acabada... ’ e voltava a maquiar – se para mais
uma sessão de bebida e galanteios.
Pagou metade
do dinheiro da babá, pôs – se em seus saltos e foi para a vida. Ser Simone, ser
Bukowski, ser Marilyn e ser puta. O papel que ela mais sabia ser. No
radio do carro, ele recitava: ‘There‘s
a bluebird in my heart that wants to get out...’
Sorria. Quem
sabe um dia, Buk, quem sabe um dia…
Postado por
Rhaiza Oliveira
20:38
O belo sempre muda com o tempo. De corpos
rechonchudos até a ditadura da anorexia, a beleza é uma coisa tão subjetiva que
é até uma perda de tempo ficar olhando-se no espelho procurando aquela gordurinha
invisível, as espinhas que não param de aparecer ou ficar chateada com aquele
dedo do pé que é maior que o dedão.
Mas existe um tipo de ‘não beleza’, se assim
podemos dizer, que não chama a atenção, não encanta, e parece que vai sempre
passar despercebida: A mulher (ou o homem) sem sal. Sem graça, sem tempero, sem
sucesso no amor. Sem chance de chamar atenção ou ser notada. Insossa e tediosa.
Já que as mulheres são seres mais admirados,
falemos delas. Todos os dias vemos as propaganda de xampu, de absorvente ou de
margarina. Altas, esguias, cabelos esvoaçantes e vários homens virando suas
cabeças para admirar aquelas mulheres quase que impossíveis. Dá pra negar que
qualquer mulher normal se sentiria intimidada e quisesse ser assim? E com
certeza os seres do famigerado gênero masculinos dariam mundos e fundos para
ter uma chance com as lindas e ‘temperadas’ mulheres dos comerciais.
Mas o que falar da mulher comum? A que tem
problema com o cabelo, se queima com cera quente ao depilar-se, tropeça no meio
da rua tentando se equilibrar no salto agulha e ficam horas no salão tentando
chamar atenção de alguma maneira? Será que elas terão sua chance de mostrar que
podem sim ser tão encantadoras como as musas da televisão?
Peço uma chance para falar de mim. Eu uso
óculos desde os três anos de idade. Antes da chamada escova progressiva, eu
tive de aguentar apelidinhos não muito carinhosos em relação ao meu cabelo.
Talvez por isso eu tenha aprendido a disfarçar a tão comentada ‘beleza exótica’
que me foi concedida por Deus com uma técnica que talvez, agora refletindo um
pouco, tenha até mesmo me atrapalhado: o humor.
Piadinhas e comentários sarcásticos sempre me
foram uma arma poderosa para tentar não chamar a atenção para a minha altura e
minha capacidade incrível de tropeçar no meio da rua. Mas convenhamos: mulher
engraçada não é vista como bonita. Não adianta você ser engraçada ao ponto de
ser considerada apta para fazer stand up
comedy, ou até mesmo fazer aquele cara irresistível do bar da esquina rir
por horas com você. Tenha a certeza que depois que se recuperar da crise de
riso, ele vai levar pra casa aquela moça alta de batom vermelho e com fenda no
vestido.
Ser destinada a ser uma mulher sem sal é quase
uma tortura. Apesar de ficarmos completamente encantadas com aquele cara de
sorriso brilhante, até mesmo trocar uns beijinhos com o pretendente da noite,
depois de um tempo você passa a não se decepcionar mais quando não recebe
aquela ligação no dia seguinte ou não ouve mais notícias do rapaz depois de
meses daquele que foi, para você, o primeiro beijo inesquecível.
Nós, as mulheres sem sal, podemos ser
engraçadas, meigas, simpáticas e super de bem com a vida. Mas acabamos sempre
como aquelas mulheres consideradas de transição: somos apenas umas daquelas mulheres
descritas como ‘aquela menina com quem eu fiquei algumas vezes, muito legal e
divertida, mas, sei lá, não era muito interessante’. Esse é nosso pobre
destino.
Nossa única alternativa é sonhar e ainda ter
um pouco de esperança de talvez encontrarmos aquele carinha também sem sal que
enxergue aquela beleza tão escondida por palavrões e palavras sarcásticas na
mesa de bar e na fumaça de cigarro. Não chore por dias se você encontrar aquele
cara lindo que há três meses você está interessada passeando pela rua com uma
loira de parar o trânsito. Olhe para aquele cara na cafeteria com uns quilinhos
a mais, de barba mal feita lendo Tolstoi. Quem sabe ele não pode ser a pimenta
que faltava para sua vida?